domingo, 15 de novembro de 2009

De quem é o seu conhecimento?

Por vezes sou tentado a questionar-me sobre a quem pertence o meu conhecimento. Não a informação, pois esta é deveras transitória em minha mente, mas o conhecimento. Aquela coisa que nos faz interagir com a linguagem, a informação, o ambiente e o raciocínio. Sim, pois creio raciocinar de acordo com um certo conhecimento que define as diretrizes do meu pensar.

Dia desses, lendo o livro Getting real, escrito pelo pessoal da 37signals, percebi a necessidade de compreender o pragmatismo americano. Entendi que era necessário, ao menos para mim, compreender o pensamento de quem escreveu o livro, se é que isto é possível.

Logo de cara, percebi que, pelo momento pessoal em que vivo, o livro foi bastante claro, entendi de cara. Mas depois, conversando com meus botões, imaginei estar caindo numa armadilha: entendimento versus compreensão.

Segundo o dicionário online priberam (http://www.priberam.pt/DLPO/), entendimento significa

entender (ê) - Conjugar

(latim intendo, -ere, estender, pretender, estar atento)

v. tr.

1. Apossar-se do sentido de (o que ouvimos ou lemos).

2. Ser de opinião; julgar.

v. intr.

3. Ser entendedor.

4. Superintender.

5. Infrm. Contender, armar rixas.

v. pron.

6. Compreender-se (a si mesmo).

7. Referir-se; ser concernente.

8. Estar de acordo (duas ou mais pessoas).

9. Combinar.

s. m.

  1. Maneira de pensar ou de ver. = entendimento, juízo, parecer, opinião


e compreender


compreender (ê) - Conjugar

v. tr.

1. Abranger.

2. Encerrar.

3. Conter.

4. Entender.

5. Alcançar com a inteligência.

6. Perceber.

7. Notar.

8. Depreender.

9. Saber apreciar.

10. Ant. Achar (alguém) incurso em, ou culpado de.

  1. Estar incluído ou contido.


Achei bastante interessante “entender”, como apossar-se dos sentidos e “compreender”, estar incluído, ou contido. Claro, não é possível compreender sem antes entender. Compreender é tal qual uma tarefa dependente de entender. Porem, percebe-se que é possível apenas entender.

Assim, fico a imaginar o quanto somos obrigados a apenas entender. Imagine um trabalho onde as tarefas são passadas como certas, e você até tem a liberdade de questionar, mas a premissa já fora definida e é irrevogável, ou seja: questione, mas tera que obedecer.

Sem nenhum incentivo ao anarquismo, mas de que vale o entendimento neste caso? A simples base para a sequência de um roteiro? E o pior: cremos na falsa liberdade do questionar. Esta liberdade, falsa, nos ilude no aspecto de que fazemos parte de um conhecimento que não é nosso e que pode jamais ser, uma vez que somos obrigados a encerrar nosso exercício mental na fase do entendimento.

Por fim, seremos responsabilizados pelo resultado do produto e não somente pela resolução do mesmo. Algo como: empregado, faça “A”. E o pobre até questiona: “A” com acento ou sem acento? Empregado, faça “A” com trema. E dá-lhe esforço, trabalho, dedicação. Tudo tem que ser rápido, pois o chefe que solicitou não possui todas as noções necessárias de como produzir “A”, ainda mais com trema.

Trabalho realizado, vem a surpresa: “A” com trema não é capaz de realizar o que se necessita.

Um momento. Quando foi questionado o que “A” deveria fazer? Apenas se entendeu que produto seria realizado, mas o que o produto faz? Para que serve? Compreendo bem a necessidade? Consigo conversar com o produto? Compreendo sua linguagem.

Já dizia o Bituca (Milton Nascimento): “minha casa não é minha, nem é meu este lugar.” Este fragmento deveria ser o hino da frustração. É qual entender onde estou, como estou, mas não compreender quem eu sou.

Quando somos forçados a apenas entender, cumprimos o imediatismo das corporações e apresentamos resultados rápidos. Mas nem sempre satisfatórios a estas corporações e sempre infelizes para nós mesmos. O que é um resultado? É simplesmente entregar o que se pede? Na forma que se pede? O que é pedido afinal? Quem o sabe?

Não vamos atravessar a linha filosófica do Cogito, ergo sum ("penso, logo existo") – Rene Descartes. Mas nos estacionemos por hora no Dubito, ergo cogito, ergo sum, ("Eu duvido, logo penso, logo existo"). Quando realizamos algo que simplesmente entendemos, significa que alguém compreendeu este algo anteriormente a nós. E se não compreendermos este algo doravante, ou nos contentamos a simplesmente entender ou somos impelidos a tal.

Desta forma, chegamos na questão do título: a quem pertence o nosso conhecimento? No caso citado acima, sequer chegamos na esfera do conhecer. Então, não nos há conhecimento. Mas e quando podemos adentrar o espaço do conhecer enquanto produzimos? De quem será o conhecer?

Nosso!

Meu, seu, do chefe, da corporação, nosso. Caso compartilhado, digo, encerrado. No entanto, sabemos, as coisas não são bem assim. Há hierarquias, segmentos, regras incompreensíveis que todos os dias enfrentamos. Porém, se o conhecer é algo que podemos personificar em nossa centelha intelectual, não há impedimento para o alcançarmos. Ou melhor, é uma tarefa que depende unicamente de nós mesmos.

É preciso duvidar para entender, entender para conhecer, conhecer para se satisfazer, estar satisfeito para duvidar. Sim, porque, do que adiantaria duvidar num momento em que não há satisfação? Nada. É preciso estar cheio para duvidar do que possui e assim começar e/ou recomeçar o eterno ciclo do conhecer, do amadurecer. E este conhecimento é somente seu. Não há corporação, regra, modo ou situação que o tire de você. É a sua conquista.


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